Não falta terra em Pernambuco para fazer a Reforma Agrária. São 687 grandes propriedades improdutivas, segundo o Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR/INCRA), que somam 678.025,57 hectares de terra. Também não falta gente para ser assentada. Segundo as organizações sociais do campo, são mais de 20 mil famílias acampadas em todo o Estado, além das comunidades quilombolas, povos indígenas e pescadores artesanais.
* Plácido Junior
Ao que parece, também não falta dinheiro, basta ver os investimentos
direcionados aos “grandes” projetos que estão sendo executados no
Estado. São obras Estatais completamente privatizadas e iniciativas
privadas que não vivem sem o Estado. Todas, além de se apropriarem dos
bens naturais, se apropriam dos recursos públicos. É assim que funcionam
as obras da Transposição das Águas do Rio São Francisco, a
Transnordestina, o Canal do Sertão, o velho e antigo monocultivo da
cana-de-açúcar.
A transposição das águas do Rio São Francisco inicialmente orçada em
6,8 bilhões de reais (e atualmente com um acréscimo de 36% do valor
inicial), não esconde para que servirá: 4% para o consumo humano; 26%
para as áreas urbano-industrial; e 70% para o agronegócio. Isso mesmo,
70% para o agronegócio e 26% para as indústrias! Recentemente vimos
matérias mostrando a total paralisação das obras. Boa parte dos canais
que já foram construídos encontra-se totalmente deteriorados, precisam
ser refeitos, o que aumenta ainda mais o custo da obra.
Outra “grande” obra é a Transnordestina, executada pela construtora
Odebrecht. O valor estimado em seu início foi de três bilhões de reais,
mas hoje já chega a 5,4 bilhões. A Ferrovia terá 1.728 quilômetros de
extensão, ligando o cerrado do Piauí e o Semi-árido aos portos de Suape
(PE) e Pecém (CE). Não está previsto o transporte de pessoas na
Transnordestina. Os trilhos do “des-envolvimento” estarão apenas a
serviço da acumulação do capital, ou seja, só serão transportados grãos e
minérios para exportação (agronegócio, mineradoras e pólo gesseiro).
O Canal do Sertão é outra obra que está sendo planejada para o
Estado. Este canal, que passará por 16 municípios de Pernambuco e pelas
terras mais férteis do Estado, se propõe a irrigar 150 mil hectares de
terra. Esta obra está orçada em cinco bilhões de reais. Qual o destino
dessas terras e dessa água? O monocultivo da cana-de-açúcar em nosso
Semi-árido para produzir etanol. A empresa que se beneficiará desta obra
será a Itochu (empresa Japonesa), em parceria com a CODEVASF e a
Petrobrás. Ainda juntaram-se a esse grupo as empresas Toyota, Odebrecht e
a Queiroz Galvão. O projeto levará o modelo de monocultivo da
cana-de-açúcar da Zona da Mata para o Sertão. O Sertão vai virar mar,
mar de cana e de injustiça.
Além dessas obras, poderíamos falar também das novas Adutoras (550
milhões de reais), das Duplicações das BR's 101 (860 milhões de reais),
104 (280 milhões de reais) e 408 (332 milhões de reais).
Temos ainda, na Zona da Mata, o monocultivo da cana-de-açúcar que não
tem nada de novo, no entanto segue capitaneando recursos públicos. O
Sindaçúcar comemora o aumento do monocultivo no Estado. A safra de
2010/2011 foi de 16.896 milhões de toneladas de cana-de-açúcar esmagada.
Para 2011/2012, as estimativas dos usineiros são ainda maiores: 18
milhões de toneladas. Todos nós sabemos que se a cana se expande na Zona
da Mata, se expande sobre os sítios de pequenos agricultores que ainda
existem na Região; se expande sobre terras da União, muitas destas
ocupadas por pescadores artesanais e posseiros; se expande sobre os
assentamentos de Reforma Agrária, que com a ausência de políticas para
os assentados ficam reféns das usinas; se expande pelos engenhos
improdutivos, apagando os sonhos das milhares de famílias acampadas. O
monocultivo canavieiro não é uma iniciativa Estatal, as usinas são
privadas, pertencem a grandes grupos econômicos, no entanto é dependente
do Estado, desde o período colonial. Aliás, desde o período colonial
são também as relações de trabalho escravo nas usinas. Nos últimos anos,
Pernambuco aparece no cenário nacional como o Estado com um dos maiores
índices de trabalhadores encontrados em condições análogas à
escravidão.
Todo este des-envolvimento do Estado ocorre com recursos públicos e
com a apropriação dos bens naturais: água e terra. São inúmeras famílias
impactadas por essas grandes obras do Estado/Capital. Pernambuco
historicamente sempre esteve entre os Estados com maior índice de
conflitos agrários do País. Essas obras só intensificam esses conflitos
no campo, uma vez que expulsam os moradores de suas terras, capitaneiam
recursos públicos e não resolvem os problemas do campesinato: acesso a
água, a terra/território e de investimentos. Dados parciais da CPT
indicam que em 2011, foram registradas 20 áreas com ocorrências de
conflitos por terra no Estado, envolvendo aproximadamente 3.000 famílias
camponesas. São sitiantes, assentados, posseiros, sem terras,
pescadores, quilombolas, todo um campesinato que vêem suas terras e
territórios ameaçados pelo grande capital. Em 2011, foram mais de 500
famílias despejadas, com mais de 150 casas destruídas e mais de 1.800
famílias que sofreram ameaças de despejos no Estado. São vidas que estão
sendo mutiladas.
Os recursos do Governo destinados à Reforma Agrária e a demarcação e
titulação dos territórios quilombolas em todo território nacional,
previstos no projeto de lei orçamentária de 2012, é de 4,6 bilhões de
reais. O valor é menor do que o destinado inicialmente ao projeto da
transposição das águas do Rio São Francisco (6,8 bilhões de reais);
menor que o orçamento da transnordestina (5,4 bilhões de reais) e menor
do que o orçamento do canal do Sertão (5 bilhões de reais). Esses
recursos previstos para a Reforma Agrária em todo o território nacional
quase se equiparam ao débito histórico do setor canavieiro em 1998, que
segundo o levantamento do Governo do Estado, era de 4 bilhões de reais. E
não se tem notícias de que foi pago.
Não falta terra, não falta gente e não falta dinheiro para realizar a
Reforma Agrária e demarcar os territórios das populações tradicionais. O
que vemos é um grande investimento do Estado para “pavimentar” o
território pernambucano, de forma planejada e coordenada, para a
acumulação do capital. Dentro deste modelo de des-envolvimento não há
espaço para a Reforma Agrária, para os territórios quilombolas, para os
povos indígenas, para os pescadores artesanais, para os sitiantes, para
os posseiros, para os assentados, para os Sem Terras. “Faltam”
investimentos para o campesinato, sobram recursos para as empresas. É
este o modelo de des-envolvimento em curso.
* Plácido Junior é geógrafo e agente da Comissão Pastoral da Terra – CPT NE II
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